quinta-feira, março 31, 2005

Mais um ano que passa...

Barrela do Pai Natal, 25 dezembro 2004 Posted by Hello

O ano passado, pela primeira vez, passei o meu aniversário sozinho num país diferente, numa cidade com milhões de habitantes, onde só tinha chegado à menos de um mês; tudo até aquele dia tinha corrido de uma forma menos positiva, desde a falta de dinheiro, à solidão, à falta da namorada, familia e amigos que sempre estiveram presentes e bem próximos de mim em todos os momentos da minha vida. Mas ali estava eu, só.
Porém esse dia começou diferente, com um sorriso nos lábios e confiante que tudo o que estaria mal seria alterado, e começaria com a atitude. Fora uma escolha, um desafio, e carpir não serviria, não ajudaria, só aumentaria a saudade, a tristeza, a depressão. Foi o primeiro de muitos dias que surgi com um sorriso nos lábios, preparado para enfrentar os meus maiores medos, para abordar e superar desafios.
Tive algumas recaídas mas contei sempre com os velhos e novos amigos para me abrirem o pára-quedas e me puxarem para a realidade, a que deveria viver, e não aquela mórbida imaginação auto infligida que pretendia viver.
Hoje é um ano depois. Até aqui já se passou muita coisa, muito diferente do ano que passou, mas semelhante em muita coisa aos outros anos antes desse. E a revolta, e o déjà vu fizeram crescer em mim um azedume, uma forma de crítica repulsante a tudo e quase todos os que tornavam este mundo previsivel e anunciadamente chato. Porém desde as zero horas, o sorrisinho parvo de à um ano atrás assaltou-me de surpresa os lábios e pôs para trás aquela nuvem de trovoada que pairava em cima da minha cabeça.
Este é o momento de viragem... pelo menos assim o espero! E assim o registo, para que cada vez que me esqueça deste momento possa vir aqui e reler as minhas esperanças para o futuro, vivido a cada dia, mas prometedor e encorajador.

"Naquele dia que era o meu,
alguém do passado ligou para o seu futuro
que era o meu presente;
aquela voz doce acendeu uma luz,
no mais fundo do meu ser.
Iluminou o meu coração,
alertou o meu viver!
Do outro lado do mundo..."

quarta-feira, março 30, 2005

Por vezes...

"Li hoje quase duas páginas
do livro de um poeta místico,
e ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,
e os filósofos são homens doidos

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
e dizem que as pedras têm alma
e que os rios têm extases ao luar.

Mas flores, se sentissem, não eram flores,
eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, nasceram pedras;
E se os rios tivessem extases ao luar,
os rios seriam homens doentes."
Alberto Caeiro

... é só isto. Nada a acrescentar, talvez outro dia...

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

sábado, março 26, 2005

"Tenha uma boa Páscoa!"

Por esta altura do ano, entre Março e Abril, celebra-se a páscoa. Festa do calendário cristão, é um periodo religioso que, segundo uma pequena busca no Google, "...é uma festa cristã que celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Depois de morrer na cruz, seu corpo foi colocado num sepulcro, onde ali permaneceu, até à sua ressurreição, quando seu espírito e seu corpo foram reunificados.". Para quem não é católico o que responder aos apelos públicos de "boa páscoa", se aquilo nada me diz? E porque nada me diz?
Primeiro porque os antigos egipcios, no tempo dos faraós, já acreditavam na reunificação do corpo e espirito num outro mundo melhor que aquele em que se viveu; no entanto para os cristãos esses rituais eram pouco credíveis já que o seu Deus - yahvé - era o unico deus e aquele que decidia sobre o futuro das pessoas após a sua morte. Interessante que os mesmos cristãos começaram a divulgar esse fenómeno após a "ressurreição" de Jesus Cristo, e que na sua religião isso seja possivel e nas outras não...
Segundo porque ainda não há provas da existência de um sepulcro onde foi colocado o corpo de Jesus Cristo e agora até já se duvida da existência de tal personagem, usando-se os seus episódios descritos n'A Biblia como lições de moral muito frequentes nesse mesmo livro.
Ora vivendo num país maioritariamente católico (apesar de, na Constituição, sermos um país laico) e tendo uma educação baseada no catolicismo, respondo educadamente da mesma forma. Interessante também esta ultima frase, como se só a religião católica ou cristã nos dá esses ensinamentos de educação e regras e moral.
Essa moral e educação existia antes do surgimento dessa religião, já havendo no Egipto dos faraós uma lei - Lei de Maat - que preconizava a moral, a ajuda aos necessitados, a rectidão e a verdade acima de todas as coisas e acima de si próprio; há relatos que no Oriente, pela mesma altura, também se utilizava uma forma semelhante dessa "lei", pelo que os cristãos nada inventaram e limitaram-se a tomar como sua uma "lei" que já existia. Adicionaram-lhe somente as penalidades a quem não cumprisse. Desde pequenos, os petizes eram ameaçados pelos pais que se não cumprissem esses preceitos seriam duramente castigados - primeiro fisicamente pelos proprios pais ou tutores, depois num futuro após a morte que iriam para o inferno... - e surgiu assim a crença que os cristãos teriam de se penalizar estupidamente para poderem ter o seu lugar no céu, a sorte na vida, etc. E o bom filho de Deus, Jesus, ofereceu-se em sacrificio pelos pecados do mundo... quem não se lembrará dos pais ou avós a censurarem com ar muito sério quando faziamos uma travessura, dizendo que era pecado e que Deus castiga? Mas afinal Deus não perdoa? Pelos vistos não, só se nos arrependermos com muito sofrimento...
Prova disto é a noticia d'O Público Online "João Paulo II oferece o seu sofrimento aos fiéis"... festejar-se o sofrimento?! Parece-me muito mórbido.
Contudo não escrevo este post com o objectivo de mudar consciências ou tentar convencer alguém. É somente uma opinião. E o que sinto é que esta "festa" nada me diz e não tenho qualquer interesse, somente respeito quem a festeja. Mas será que eu seria considerado ou bem visto se desejasse às pessoas uma comemoração que fosse típica de uma outra religião? Não sei se a educação religiosa que nos foi dada desde a infância ensina bem os preceitos da tolerância...

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

quinta-feira, março 24, 2005

Lá longe, abri os olhos para a poesia...

"Não acredito em Deus porque nunca o vi.
se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem duvida que viria falar comigo
e entraria pela minha porta dentro
dizendo-me, aqui estou"

"Mas se Deus é as flores e as árvores
e os montes e o sol e o luar,
então acredito nele,
então acredito nele a toda a hora,
e a minha vida é toda uma oração e uma missa,
e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos."

"Mas se Deus é as árvores e as flores
e os montes e o luar e o sol,
para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
porque se ele se fez, para eu o ver,
sol e luar e flores e árvores e montes,
se ele me aparece como sendo árvores e montes
e luar e sol e flores,
é que ele quer que eu o conheça
como árvores e montes e flores e luar e sol."
De Alberto Caeiro, extractos de "Guardador de Rebanhos"

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

terça-feira, março 22, 2005

" A água chia no púcaro que elevo à boca
'É um som fresco' diz-me quem não está a bebê-la.
Sorrio. O som é só de chiar.
Bebo a água sem ouvir nada com a minha garganta."
Alberto Caeiro, Guardador de Rebanhos

Suspiro. Passa o tempo. Suspiro. As núvens sucedem-se num céu acinzentado, em que a radiação do Deus Sol queima mas onde não mostra o alcance dos seus raios.
Olho o horizonte e o relógio. Anoitece mais tarde, penso eu. Vem aí a primavera, pensa alguém dentro de mim.
"C'est comme un rêve", ouço numa voz interior que não percebo. Suspiro, longamente. Sinto falta se sentir o equilibrio do corpo, de treinar a respiração.
Tapam-me os olhos com as palmas das mãos, pele suave, sorriso leve mas penetrante.
Aquele perfume.
"... c'est comme un rêve, alors..."

" Pudesse eu como o luar
Sem consciência encher
A noite e as almas e inundar
A vida de não pertencer!"
Fernando Pessoa

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

segunda-feira, março 21, 2005

Interessante...

Na revista Única, do semanário Expresso, o psiquiatra Allen Gomes fala, em relação às tecnologias e relacionamentos:
"Como é que as novas tecnologias vieram condicionar os relacionamentos? Pode controlar-se o outro quase instantaneamente, com o telemóvel, os extractos Via Verde, do multibanco, dos cartões de crédito...
É verdade. E ainda falta aí a Internet. Há muitas pessoas que hoje mantém ligações online, às vezes passam para o real, outras não. As novas infidelidades são um campo muito interessante. E há uma nova forma que tem a ver com a filosofia no mundo do trabalho, que é a dedicação absoluta à empresa, onde se passa a maior parte do tempo. A certa altura geram-se correntes de simpatia entre pessoas que podem depois ser trabalhadas de duas maneiras: ou entram na relação clandestina tradicional; ou, e é isso que é novo, prefere-se sempre aquela pessoa para almoçar ou para tomar um copo ao final da tarde, mas sem nunca chegar a vias de facto. Um psicólogo americano que investigou estes casos disse a essas pessoas que estavam a ser infiéis. Negaram mas também recusaram que essas amizades pudessem ser do conhecimento dos conjuges."

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

sábado, março 19, 2005

Análise de Riscos

Hoje tive uma palestra, na cadeira de Segurança Industrial (que é dada a par com o curso de Segurança e Higiene no Trabalho), dada por um engenheiro químico e que versava sobre a Análise de riscos. A palestra, de cerca de duas horas e meia, conseguiu ser bastante interessante: este engenheiro, com sotaque do norte e com ajuda de uma simples (e longa) apresentação de powerpoint foi focando vários aspectos de riscos no dia a dia ou numa empresa, e numa vertente mais técnica, falando a respeito do calculo do risco, das probabilidades, perigos, etc. Não quero ser maçador na análise, mas houve uns exemplos que ele falou que são sintomáticos e dizem respeito a todos nós e a coisas que nunca pensamos.
Quando houve o caso dos pesticidas nos maços de tabaco Português, a decisão do Governo foi a de proibir logo a venda. Porém ele, como especialista, achou aquilo muito estranho, e explicou: afinal nos maços há mensagens em letras garrafais a dizer "Fumar mata" ou "fumar pode prejudicar a sua saúde"; se sabemos que fumar mata e não temos qualquer prova que o tabaco com pesticidas mata mais do que o outro que se encontra à venda, porquê proibir só aquele?
Outra coisa que ele focou foi uma sondagem que foi realizada à um tempo e em que as pessoas eram questionadas acerca de um produto químico que era fonte de transmissão de doenças, que poderia provocar a morte quando ingerida em grandes quantidades, etc. A sociedade inquirida não teve duvidas em dizer, liminarmente, que esse produto deveria ser banido do consumo. No fim foi revelado qual é o produto: a água! A fonte da vida! É fácil fazer uma campanha de marketing para qualquer coisa, apresentando só os riscos e não os beneficios; o objectivo do marketing e publicidade é mostrar só os beneficios de determinados produtos, mas como ele realçou, todos os produtos têm riscos e beneficios, mesmo os medicamentos. Porque é que quando estamos doentes o médico nos diz que devemos tomar determinado antibiótico de tantas em tantas horas? Se faz bem deveriamos tomar logo, não? É que a dose excessiva faz mal, e os resíduos que ficam no corpo só saem passado determinado tempo; o mesmo acontece com os turnos de trabalho, de 6 ou 8 horas, para haver um relaxamento para que o corpo, ao voltar ao trabalho, esteja pronto e descansado para outra jornada. Tal como nas horas de sono... enfim!
Em tudo na vida há riscos, em todas as decisões os assumimos, e não é por isso que deixamos de decidir. Claro que optamos pelos riscos menos prováveis, isso é óbvio, mas não deixamos de assumir essa percentagem de perigo.
No dia a dia não pensamos muito nisso, por um lado ainda bem; mas por outro pensamos sempre que não devemos fazer algumas coisas só porque vemos na TV que é perigoso (género crime aumenta, sinistralidade aumenta, doenças aumentam...) e é absurdo que a comunicação social tenha poder para alterar o modo de vida das pessoas.
Os estudantes, e as pessoas em geral, detestam ouvir palestras, mas esta a que assisti hoje seria bem vinda para muitos governantes deste país...

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

quinta-feira, março 17, 2005

Fantasias...
Para quem já tinha fantasias com a Angelina Jolie...
"Angelina Jolie admitiu publicamente que é especialista em sexo lésbico. A actriz disse que amou mulheres no passado e que foi para a cama com elas. A "expert", em fazer sexo com mulheres, acredita que se uma mulher ama outra mulher e lhe quer dar prazer de certeza que vai saber como fazer as coisas de uma maneira muito especial. Para os que ainda tinham dúvidas fica a confirmação de que Jolie é mesmo bissexual."
(em IOL Moda e Social)
... vai passar a ter muitas mais!!!

Bizarro...
Na penultima página do jornal "A Cabra", realizado pela Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra, com estudantes da Universidade de Coimbra, li uma notícia fenomenal: relatava o caso de um homem, amante de gado, que após sair de um bar numa cidade americana (ou inglesa, já não me lembro bem...) passava pelas quintas vizinhas e mantinha relações sexuais com vacas e vitelos. Há gente com vários tipos de taras, e há vários filmes que analizam este tipo de questões bizarras; porém o que me leva a escrever é a franqueza e sobranceria das declarações deste amante de animais: quando teve mulher ou namorada nunca manteve relações com animais!
Afinal os unicos que metem cornos nas vacas são os bois...

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

segunda-feira, março 14, 2005


Boulevard Periphérique, junto à Porte Dorée
Não é hábito fumar, mas compro duas cigarrilhas. Sabor a café, só para variar. Para experimentar um bom sabor de café, já que o daqui nem com dois pacotes de açucar presta! Comprei aliás, porque agora olho para elas como que a decidir-me se as fumo ou não, se as guardo para outra ocasião mais ou menos favorável, ou se nem sequer lhes dou uso.
Isqueiro numa mão, a cigarrilha na outra. Saio do quarto em pézinhos de lã, como se estivesse a escapulir-me e a cometer um pecado. Pecadilho... como a educação que temos influi na forma como agimos no dia a dia - esconder de quê, de quem, para quê, para quem? - estou sozinho, ninguém me repreende ou castiga ou impede de tomar o rumo que eu quiser e bem entender.
Agora percebo o porquê do cliché de Hollywood de, a seguir a uma cena de sexo, os intervinientes fumarem o seu cigarro: primeiro porque atingiram algo, um objectivo, e estão na descontracção desse objectivo atingido - sexo, no caso; depois como que a mostrar o licencioso da coisa, cometem o segundo crime que é queimarem os pulmões aos poucos... mensagem de pecado e morte evidente, ou então não tenho mais em que pensar...
Chego à rua, aperto o casaco, mas mantenho o que me trouxe cá fora no bolso. Não te quero, não te fumo! Respiro bem fundo e encho os pulmões de ar bem fresco, tanto que quase doi ao passar no nariz e entrar nos pulmões.
Sento-me na passagem aérea para peões por cima da Periphérique e olho o espaço que durante grande parte do dia é preenchido por milhares de veículos e milhões de pessoas que se fazem circular, que provocam o tráfego e o caos das grandes cidades. Vazia, passa de vez em um ou outro carro, o autocarro da Air France para o aeroporto. Tiro a mão esquerda do bolso quente com o objectivo de ver as horas e vejo a culpada a olhar para mim. Três da manhã... ok, ganhaste, foi mesmo para isso que saí, vou tirar o prazer devido deste hábito proibido!
Acendo, puxo uma baforada de fumo, sinto o calor do fumo a percorrer o caminho para dentro, o caminho para fora, o ar frio a entrar e a sair. Não será o fruto proibido o mais apetecido?
Sorvo devagar cada trago de fumo sabor a café; inspiro lentamente, expiro lentamente. Sinto uma ligeira tontura de quem não está habituado, mas que se torna inebriante, qual droga leve, qual prazer puro, qual sexo no ultimo píncaro do desejo, dos arrepios de dois corpos que se desejam tanto ao ponto de sentir calafrios do toque comum, que se devoram lentamente consumindo na calma o que o corpo quer absorver no instante.
Tontura, leve, boa. Termino a ponta e deito-a fora, apagando a incandescência contra o muro. Atingi o climax do momento, explodi, gozei. Fecho os olhos, gozo o momento. Doce, o travo tropical do café no quente dos lábios...
Doce...


Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

sábado, março 12, 2005

11 de Março, um ano depois

Fez hoje um ano estava em Paris, também uma grande capital europeia e com um sistema de transportes semelhantes. No passado também a França, e nomeadamente Paris, foram alvos de atentados ou tentativas de atentados terroristas. Nada, na Europa, foi semelhante ao que se passou à um ano.
Escrevo estas linhas após ter visto um documentário sobre este acto absurdo. Na altura não tinha televisão e só soube o que ouvi na rádio Alfa (estava a acordar para ir para a escola quando ouvi as noticias das 7:30), o que li e vi nos jornais (Libération, Le Monde, Le Figaro, 20 Minutes, Métro) no próprio dia e dias seguintes, e fiquei chocado com algumas coisas: primeiro com o facto de o governo Espanhol comunicar logo, sem qualquer reserva, que se tratava de um atentado da ETA, quando eu, um simples estudante português, sabia que aquele não é o modus operandi dessa organização terrorista; que as pessoas na grande cidade continuam a sua vida, apesar de um pouco mais alerta e mais assustadas, e que lhes causa transtorno o plano Vigiprate - plano vermelho - de defesa civil contra ameaças terroristas (género os comboios e metros param certo tempo nas estações, são vigiados por seguranças, podem haver rusgas, objectos e malas abandonadas significam a evacuação da estação...); que os árabes - em grande número em Paris - se começam a sentir desconfortáveis com os olhares, com algum sentimento de culpa, naquela que também já é a sua cidade e país.
Ao inicio pensei que a minha primeira escolha para Erasmus tinha sido Madrid, e que se lá estivesse e com a confusão dos atentados, com as linhas de contacto bloqueadas e tudo isso, seria um sufoco para os meus familiares; porém apercebi-me que aquele não seria o meu horário porque não viveria na periferia... pelo menos teoricamente. Se tivesse sido em Paris a probabilidade de ser atingido também seria infima porque na viagem para a escola somente andava uma estação no RER (o equivalente aos comboios atingidos em Madrid) e o resto de métro, mas não passava em nenhuma estação mais central, género Gare du Nord, Gare de St Lazare, Gare de L'Est, Notre Dame, Châtelet - Les Halles... mas quem não está habituado penso que seja normal pensar em algo semelhante, e nos familiares preocupados.
Depois tive oportunidade de viver na Cité Universitaire de Paris que acolhe um sem número de árabes estudantes universitários, tem as residências do Líbano, do Irão, e vivia num corredor da residência des Arts et Métiers com dois marroquinos e um camaronês extremamente simpáticos, amigos e prestáveis, bem humorados, que não bebiam alcool, que adoravam uma boa farra e mulheres... em tudo semelhante a nós! Somente em alturas de oração se recolhiam discretamente; em alturas de ramadão cumpriam os preceitos sem qualquer lamúria e com o habitual sorriso nos lábios. Tive oportunidade de assistir, nas festas da Cité Universitaire, a uma festa Síria, desde sexta a domingo, com cachimbos de água (e de outras substâncias...), cerveja, muita animação e música (typical portuguese song... quem sabe percebe o que estou a falar) mulheres lindas de várias nacionalidades mas na maioria árabes a divertirem-se, a dançar, a beber, sem véus ou limites à liberdade.
Passeei por bairros árabes onde a marca característica eram as frutarias, com belas frutas expostas para a rua, de uma limpeza assinalável e com brio da parte dos funcionários de as manter assim, lindas e prontas a consumir; talhos com carnes que, de aspecto, tinham a melhor qualidade... a unica coisa mais depreciativa, se é que posso chamar isso, que vi nesses locais era o aspecto das pessoas: o árabe é "chavequeiro": adora meter-se com meninas bonitas e em certas situações têm um aspecto de facil conotação com o que conhecemos como chulo ou cigano, no seu pior. Mas nunca em qualquer situação me senti mal olhado, mal tratado, visto com atitude depreciativa, racista ou coisa que o valha.
E pensar que foram pessoas do mesmo credo deles, mas não como elas, que foram capazes de, indiscriminadamente e sem razão aparente, matar centenas de pessoas "em nome de Alá". É uma barbaridade ouvir algo desse género em pleno século XXI numa sociedade globalizada, ouvir um gajo de barbas a usar as tecnologias mais modernas disponiveis para enviar mensagens video de uma gruta algures no Afeganistão para todo o mundo, a dizer que estes ataques são um preço a pagar pelo mundo ocidental e pagão, por não cumprirem as leis do sagrado profeta, e que é o principio de uma revolta da conquista da humanidade pelas leis do sagrado Corão, pelo uso da Sharia, e outros disparates. Dá vontade de usar a forma de luta que eles usam, "olho por olho, dente por dente", mas felizmente alguns países são mais civilizados.
Mas ficam-me no olhar e na cabeça a forma como alguma vergonha se apoderou de alguns cidadãos árabes que não tiveram nada a ver com o assunto mas que se sentiram enojados e despojados por usarem em vão algo em que eles acreditam fortemente, e como dessa forma vulgarizaram um credo, uma população religiosa, e fizeram alastrar o ódio por alguém que não tem culpa. Fica-me também na cabeça um problema pior: como países como os EUA instituem actos contra a liberdade, como o "Patriotic Act" em países democratas e supostamente onde se respeitam direitos e deveres dos cidadãos, só por causa de um acto terrorista. Lamento dizê-lo, mas nesse aspecto os terroristas ganharam um ponto...

À MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DA ESTAÇÃO DE ATOCHA...


Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

quarta-feira, março 09, 2005

    Vou dizer Fernando Pessoa:
    Fernando Pessoa...
    já disse...


    "Teus olhos entristecem.
    Nem ouves o que digo.
    Dormem, sonham esquecem...
    Não me ouves, e prossigo.

    Digo o que já, de triste,
    Te disse tanta vez...
    Creio que nunca o ouviste
    De tão tua que és.

    Olhas-me de repente
    De um distante impreciso
    Com um olhar ausente.
    Começas um sorriso.

    Continuo a falar.
    Continuas ouvindo
    O que estás a pensar,
    Já quase não sorrindo.

    Até que neste ocioso
    Sumir da tarde fútil,
    Se esfolha silencioso
    O teu sorriso inútil."

    Fernando Pessoa, 19-10-1935
Gostaria de agradecer a todos os gentis comentários efectuados ao longo do tempo. Mil desculpas por não conseguir responder a todos os que comentam a agradecer o tempo perdido.
Bem hajam e que haja colocações para vós profes e baixas de impostos para os contribuintes, e emprego para os desempregados; céu para o Papa e para a irmã Lúcia, e mil e um doces na Santa Páscoa - Deus vos abençoe!!!
BAH!

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

sábado, março 05, 2005

Fantasma

Nebulosa do Pequeno Fantasma, NGC 6369
"Do you bury me when I'm gone
Do you teach me while I'm here
...Just as soon as I belong, then it's time I disappear"

Refrão da música "I Disapear", Metallica, para o filme Missão Impossível 2

Encostado à parede naquela artéria movimentada do centro da cidade. Vejo as pessoas a passar, passear; apressadas, calmas, nos seus afazeres de trabalho ou simplesmente de relaxe. Discretamente começo a andar, que nem uma sombra, pelo meio do fluxo de multidão. Esguio, passo pelos espaços entre corpos sem sequer tocar levemente; aumento o meu passo e esgueiro-me cada vez mais depressa entre senhoras e senhores, meninas e meninos. Pelo meio vou tentando reconhecer as pessoas por quem passo - várias, dezenas ou até centenas, dependendo do movimento - e decorar as suas caras, num exercicio absurdo de perfeita estupidez.
Paro. Observo novamente. Fico visivel para o comum dos mortais, cujo espaço ocupado por mim no populoso passeio já é visivel e permanente, enquanto que o meu esgueirar somente levantava um vento de passagem transitório. O sol bate em mim e faço sombra... bolas, sou visivel novamente!
Vagueio pelo desejo discreto de desaparecer, concentro-me e a mente voa. Transcende o corpo, fica leve, levanta vôo. Olho da minha alma, lá no alto, para o meu corpo fisico. Ali. A ocupar espaço no passeio; a obrigar os corredores a desviarem-se. Mas agora esse corpo fisico não apresenta sombra...
Perdi a identidade, fico ali parado somente como corpo sem alma a ler as almas das pessoas, na busca da alma perfeita que nunca encontrarei. A alma que sempre desejei ser...

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

quinta-feira, março 03, 2005

Trevas

Junto ao Sena, Paris Posted by Hello
Shadow on the sun
(Audioslave, da BSO do filme "Collateral")

Once upon a time I was of the mind
To lay your burden down
And leave you where you stood
And you believed I could
You'd seen it done before
I could read your thoughts
Tell you what you saw
And never say a word
Now all that is gone
Overwith and done - never to return

Acordo nas trevas do quarto, com o som maldito do despertador. Estico a mão, pego no telemovel e desligo o raio do som. A boca parece que tem papel de jornal dentro, o sabor parece o das moedas de cêntimo. Cabeça lateja... ontem foi mais um dia de folia, de loucura, mascarando o marasmo interno que se abateu sobre mim.

I can tell you why
People die alone
I can tell you I'm
A shadow on the sun

Tenho sede! Felizmente tenho uma garrafa de água mesmo ao lado pronta para qualquer emergência. Fora do edredão sente-se um frio glaciar, dentro parece uma estufa de tão quente! Não quero sair daqui, ir para o frio da casa de banho, mesmo tomando um duche quente!!!

Staring at the loss
Looking for a cause
And never really sure
Nothing but a hole
To live without a soul
And nothing to be learned

Saio de casa, pego no carro. Tenho destino mas não queria ter. Rumar ao infinito, sem horários, sem preocupações dos outros, só e com os meus problemas, com a minha força, com a minha vontade. A solidão é triste, mesmo auto-imposta. Porquê tanta restrição, tanta culpa, tanto medo, tantas perguntas?

I can tell you why
People go insane
I can show you how
You could do the same
I can tell you why
The end wil never come
I can tell you I'm
A shadow on the sun

Não é uma melhor imagem não se estar restringido, livre, não me interessar pelo que os outros vêem, dizem, falam? Não me interessar pelo que vejo os outros ver, dizer, falar? Liberdade, palavra cara, acção limitada...
Já estou no semáforo, seguindo em direcção ao meu destino. O meu, não o dos outros; escolhido por mim, seguido por mim. Sem culpas.

Shapes of every size
Move behind my eyes
Doors inside my head
Bolted from within
Every drop of flame
Lights a candle in
Memory of the one
Who lives inside my skin

Saio do carro e bebo um pouco do ar puro que ainda se respira neste local. Já anoitece, o sol já se esconde por trás dos montes e procuro, instintivamente a lua no céu. Em vão. Está a decrescer e nesta fase já não assiste ao deitar do seu amante, nem eu assisto ao seu amanhecer - bela, em grande plano, a ser fatiada ao longo dos dias.
E amanhã é mais um...


I can tell you why
People go insane
I can show you how
You could do the same
I can tell you why
The end wil never come
I can tell you I'm
A shadow on the sun

terça-feira, março 01, 2005

Le jour d'après

Torre Eiffel, Paris Posted by Hello

Está a fazer hoje, 1 de Março, um ano que eu fui em Erasmus para Paris. Nesta altura era o meu primeiro dia na capital francesa e estava a começar a ambientar-me ao clima, à residência, ao francês - que passaria a ser a minha lingua oficial pelos próximos 4 meses - e à escola. Foi um dos passos mais importantes da minha vida, aos 25 anos sair debaixo dos braços protectores dos pais, estar longe por alguns meses da namorada, dos irmãos, dos amigos...
Aterrei de manhã, eram 10h, no aeroporto de Orly. O dia estava solarengo, disfarçado para me receber; felizmente durante essa semana o tempo esteve claro, com um lindo céu azul e sol à mistura, apesar de frio.
Não quero ser lamechas nem fazer um resumo do que se passou, simplesmente usar este espaço para lembrar uma data importante, que me deu novos conceitos de liberdade, de igualdade, de protecção, de carinho, de ambiente... outros conceitos não mudaram tanto e reparo que em certas alturas faço aquilo que não aprecio que façam a mim, principalmente a restrição da liberdade, que é um direito de cada um. Não o faço por maldade, normalmente faço-o por preocupação, porque interpreto os sinais nesse sentido, e torno-me incomodativo.
Estamos sempre a aprender, e ainda bem! É óptimo aprender...
É só, por hoje.