segunda-feira, abril 30, 2007

Coimbra cidade

Coimbra é uma cidade peculiar. Alberga milhares de jovens de proveniências e aspectos diferentes, apresenta uma multiculturalidade que, para uma pequena cidade, é formidável. No entanto isso é mais aparência do que costume. Sou de Coimbra, adoro esta cidade apesar de por vezes me dar aquela sensação claustrofóbica de espaço pequeno. Pequeno demais. Apesar da multiculturalidade.
A tendência é ser um espaço liberal, porém é falacioso. Há selecções que são feitas por cada um ao limitar a sua frequência a determinados locais. Se esse limite não está estabelecido há sempre alguém que nos faz questão de o lembrar. É aí que se vê a pequenez da cidade ou das suas almas. Os vários grupos de amigos, no geral bastante diversificados, têm sempre uma caracteristica ou outra que os impede de entrar em determinados locais, ou ser conotado com este ou aquele aspecto.
Será uma questão racista? Não acho, para mim é apenas mesquinhez. Ser tacanho por não se respeitar alguém só porque o aspecto é diferente. Somos conservadores e fazemo-nos de liberais. Mas não o somos, nem por empréstimo. E isso viu-se durante a campanha do referendo da IVG, em que mesmo em grupos de amigos havia discussões acesas, quase à beira da intolerância. Discussões que nem um Benfica - Porto provocaria entre bons amigos.
Sou sócio gerente de um bar, e no sábado tive que assistir impotente a uma situação que me envergonha. Claro que também tenho influência e teria palavra, no entanto trata-se de condições entre colegas de trabalho que se tratava e nesse aspecto tivemos que fazer uma escolha. Para mim foi muito dolorosa e penso que tão cedo não vai desaparecer esse sentimento de vergonha, impotência e raiva. Felizmente as "vitimas" são extremamente educadas e tolerantes, algo que as pessoas não acreditam e julgam apenas pelo aspecto. E aceitaram a situação com dignidade e conformismo.
Explico sucintamente: um grupo era todo bem vestidinho, roupas caras, estilo puto com nota. Desse grupo um elemento não tem nivel moral equivalente ao numero de notas que tem para gastar, então trata desrespeitosamente quem está a trabalhar como se ele nos estivesse a fazer um favor por ali estar. Falou alto, gozou com quem servia ao balcão, chegou a insinuar que só pagaria se viesse a policia. Foram-se embora, situação passou.
A seguir vem um grupo bem disposto e educadissimo. Alguns elementos vestem de preto e um deles destaca-se por ser diferente: tem aquele ar metaleiro, vários piercings, lentes de contacto vermelhas. Correcto e educadissimo, sem levantar ondas. No entanto, segundo as "regras de indumentária" dos bares desta cidade, há pessoas que são superiores e não aceitam entrar e consumir num bar que tenha apenas um elemento assim tão diferente, mesmo que ele esteja no canto, incógnito.
Isso enoja-me. E enoja-me mais, e enraivece-me que tenha que me curvar a esse tipo de preconceitos de forma a que possa ter no meu espaço aquelas pessoas que, segundo experts da noite, são os que fazem casa.
Ok, ponto para eles; ulcera para mim. Porque enquanto me lembrar dessa injustiça, desses códigos de conduta absurdos e que este país está cheio deles, vou continuar a sentir aquela vontade enorme de vomitar e cuspir o que resta da integridade. E baixar as calças ao conformismo de quem realmente "manda".
É esta a geração de Abril? É esta que apregoa a liberdade conquistada pelos nossos pais? São estas as regras que os nossos pais fizeram com Abril, para nós respeitarmos? Colocar à margem quem não se parece connosco ou com quem achamos que é de bem? Para mim pior que a prisão, a tortura, a falta de liberdade, a morte estão abaixo de ser ignorado. Não se ser ninguém, ser-se esquecido e deixar-se à margem da sociedade de "bem" é muito pior que isso tudo. Porque quem é torturado, preso, morto tem alguma importancia... nem que seja para silenciar.

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

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