sábado, setembro 25, 2004

Coloco aqui este excelente poema de autoria de Manuel Alegre, musicado por António Portugal e cantado por Adriano Correia de Oliveira, essa voz magnífica do Fado de Coimbra. Tem uma razão de ser: ao chegar a casa do trabalho, estava a dar um programa de tv (na 2) com vários intérpretes, nem todos do fado, e que cantaram várias musicas, desde Zeca Afonso e esta, entre outros. Esta foi e é especial: não só é um belo fado, com as vozes de sereia da guitarra de Coimbra, melódica e bela e apaixonada, como também foi um fado que ouvi na minha estadia em Paris, na Rádio Alfa, e que me emocionou bastante, ao ponto de ficar arrepiado, de cantar em conjunto e de terminar o fado alagado em lágrimas: de emoção, de alegria por estar tão longe e tão perto de casa, de saudades de todos quantos estavam longe de mim mas que estavam, naquela musica, tão perto do meu coração.
A música tem várias virtudes, uma delas é ser um elemento de comunicação, que tal como as cartas, leva sentimentos e emoções nas palavras dos outros. Estas palavras bonitas, que falam subtilmente de um tempo dificil para todos os portugueses, em que a Liberdade não existia, demonstram todo o amor que temos pelo país, pelas pessoas, pela cultura, mas que sempre o esquecemos nem sempre por valores mais altos.
Deixo-vos as palavras, e se puderem acompanhem com a musica.

Trova do Vento que passa (Letra: Manuel Alegre/Música: António Portugal)

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo
.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo
.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

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