quarta-feira, novembro 02, 2005

"Como no poço da morte
como no poço da morte
a gente roda e gira e gira
a gente joga tudo
a gente arrisca a vida
a gente roda e gira
rumo à terra prometida
e quando lá chegamos
já a encontramos revolvida
a terra que sempre se desejou
e que se deixa de reconhecer
no dia em que se vai p’ra lá morar"
Sérgio Godinho - Antes o poço da morte

Não consigo lidar bem com a morte. Não por medo mas pelo desconhecido, porque faz-me confusão perder-se tudo o que nos envolve e ir para um desconhecido - se é que existe este "mundo" desconhecido noutro lugar.
No antigo Egipto a morte e os mortos eram muito respeitados e todos tinham direito a um funeral digno, mesmo quem fosse criminoso ou quem fosse condenado à morte. Para um egipcio a morte total e completa era o apagar do nome da pessoa, fazendo com que esta caísse no esquecimento e não se perpetuasse nada do que tinha construido em vida. Durante o ritual de morte, em que os corpos eram embalsamados, o luto representava a transição pelas trevas que teria de ser vencida. Após esta passagem e do depósito da mumia no seu novo mundo, abria-se uma nova era que todos esperavam ser melhor que a anterior. Quanto ao morto, durante esse tempo, já teria passado pelo tribunal dos deuses que avaliariam se a sua conduta neste mundo seria digna de passar para um mundo melhor, uma outra vida, ou se mereceria ser apagado e ficar sem alma.
Sinto o dia dos finados como sendo um dia triste, em que se lembram os falecidos de uma forma depressiva, como se estes tivessem voltado a falecer. Compram-se flores, acendem-se velas, visitam-se tumulos, e perde-se o importante: relembrar e celebrar o que era e como era essa pessoa em vida; os bons momentos passados, a alegria, a presença... é assim que julgo que deva ser lembrado alguem que nos privou da sua presença. É lembrando as pessoas que adiamos o seu desaparecimento, uma vez que o físico é inadiável.
Não sei... possivelmente falo isto porque nenhum desaparecimento foi tão forte que abalasse as minhas convicções.

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

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