segunda-feira, setembro 04, 2006

Normal
(Letra e musica: Falamos depois, Paulo Gonzo)
"Foda-se!", murmuro entredentes ao olhar para a hora tardia do relógio. A cabeça parece explodir só com a réstia de claridade que entra janela dentro. Viro-me para o outro lado da cama - vazio - libertando uma expressão de descompressão "ufa!", como que pensando o que poderia estar junto a mim e o porquê de não me lembrar.
Ainda meio a andar de lado, com a boca seca e a língua de cortiça, arrasto-me até à casa de banho. Lá fora ouve-se a chuva, forte, e o vento a assobiar.
"Bonito!", digo eu a imaginar mentalmente o dia 12 de Setembro no calendário.
Sei que estou cansado
E já não quero .. Falar mais contigo
Até de manhã
Deixa-me dormir
Dá-me umas horas
Que depois eu ligo
E falamos depois
Saio a correr de casa depois de um banho de quase água fria, um pão mal mastigado e um café mal tomado - preciso de outro, rapidamente, penso - ao correr para a paragem do autocarro, a tentar desviar da chuva e das poças de água.
Autocarro quente, humido, cheio. Nos vidros embaciados vê-se o escorrer do orvalho humano, a respiração de todos os que acordaram atrasados, cansados, mal dispostos.
Uma criança ri-se e olho para ela ao sentir a estranheza da gargalhada. Mostra-me a lingua e sorri. Faço o mesmo só por teimosia, até porque nem a mostrar linguas gosto de perder, e retribuo o sorriso e um piscar de olho.
ha ha ha ha ha
Queres ficar aqui
À espera que eu acorde
Com pena de ti
A minha paragem. Que falta faz um livro para ler nos 20 minutos de viagem por entre o trânsito citadino. Terá de ser sempre tão cinzenta e rotineira a vida comum de um comum mortal?
Entro no café - "um café, se faz o favor" - e sento-me à mesa a observar a rua pela janela. Em frente, na paragem, os sonos mal dormidos e acordares mal humorados, somados ao respingar de água com o passar dos automóveis. Rotina... do senhor que sai do autocarro com o cigarro na boca e o acende mal pisa o chão; da menina bonita, vestido formal pelo joelho, vermelho a condizer com o baton, que ajeita o cabelo para tras da orelha e abre, com a outra mão, o guarda chuva; da criança com olheiras porque deve ter dormido pouco; da dona de casa inexpressiva que não escolheu a roupa nem se penteou e corre, de rosto inexpressivo, para baixo de um abrigo.
Dá-me um tempo
Dá-me espaço
Deixa-me ter .. um momento
de cansaço
Que é bem melhor assim
"55 cêntimos", pago e agradeço com um sorriso, esqueci-me de pedir curto, coloco todo o açucar porque gosto do café doce, está quente, queimo sempre a língua no primeiro café da manhã, olho para o relógio, "5 minutos", pondero o pastel de nata que me faz olhinhos...
Recuso a gula, saio e misturo-me na rotina alheia, no meio de muitos desconhecidos anónimos que, num dia aparentemente diferente, escolhem abraçar uma rotina igual.
Pensa bem
Se vale apena discutir
Por uma tolice
Ou por quase nada
Ou se me preferes de cabeça fria
Logo de manhã
Quando acordar

ha ha ha ha ha
Sei que vamos rir
E até jurar
Não mais discutir

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

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