quinta-feira, novembro 18, 2004

Solidão

Deixo o meu quarto depois de almoçar. Lá fora ninguém me espera, aqui dentro também não.
Sufoco. Sinto a falta daqueles que amo, que deixei longe, na busca de uma virtude, de uma terapia, de mostrar a mim (e ao mundo) que não sou uma fraude.
Vageio só pelas ruas, pelas estações de metro. Observo as diferenças entre a população: mistura maior é impossível! Pessoas bonitas, feias, alternativas, estranhas. Uns bem vestidos, outros dependendo do gosto. A ler ou ouvir musica; olhos que se interceptam na confusão de uma carruagem cheia, sorrisos que se trocam na timidez do esconderijo no embaraço da situação.
Solidão.
Caminho por entre a multidão onde ninguém conheço. Caminho a observar o que me rodeia, quem me rodeia. Caminho na margem do Sena, aprecio aqueles que caminham sós também. Esquecidos nos pensamentos, olhando o vazio, o infinito. Como eu. Passa o "bateau mouche", os turistas acenam para o mundo, para os desconhecidos.
Solidão.
Sento-me num pequeno muro a escrever uma sms. Destino? Alguém, ao acaso. Ali todos são importantes, pela distância, pela saudade, pelo amor. Todos de forma diferente, com conteudo e emoção diferente. Acabo a mensagem e sinto, por instinto, uma lágrima a escorregar. "Não, agora não... no conforto do meu quarto, onde posso libertar-te, a ti solitária como eu, e a todas as tuas amigas, num mar aberto, em ondas livres e tempestuosas... aqui é que não..."
Solidão. Ao lado senta-se uma menina, toda de preto. Olhos verdes cintilantes, conversa ao telefone. Aproveito para, disfarçadamente, tirar umas fotografias ao que me rodeia, e apercebo-me que ela espera alguém que não vem. Sorte a tua, penso eu, ainda tens alguém. Num momento raro de coincidência e correspondência, entreolhamo-nos e vejo nos lindos olhos verdes cintilantes (e agora tristes) o mesmo lamento que libertei para mim mesmo à pouco: o dialogo interno com a lágrima teimosa que teima em escorrer. Sorri para mim e consegue, também, aguentar a fonte.
Não tive coragem para me apresentar depois de um momento tão intimo. O pálido sorriso que apresentou contrastava com o triste olhar, parecido com o meu, que tenho impressão ter visto reflectido nela.
Levantei-me, lamentando a minha falta de vergonha de não ajudar/me ajudar naquele momento de solidão entre duas almas abandonadas.
Solidão. Sim, solidão. Porque assim o quis, porque assim o mereci...


Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

1 comentário:

Anónimo disse...

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