Calor...
(Foto: Paulo Aroso Campos)
Calor aperta. De dia, de tarde, de noite...
Dificil estudar, andar... reconheço o exagero ao gostar de ti, calor.
Em ti e contigo sinto o mundo mais vivo; a alegria que sai à rua nos sorrisos das pessoas, a frescura da manhã, o não importar se a água do banho sai fria ou quente!
As roupas leves, poucas, curtas; a sensualidade presente em cada movimento, executado em câmara lenta para não aumentar o esforço, o quente, o suor.
Olho-te de frente, calor, com a realidade pouco presente. A realidade obscura que quem te procura no inverno, de quem te deseja na primavera, de quem te sorri no verão. E no seguinte e no seguinte e no seguinte.
Sufocante? Às vezes parece que o inferno (ou como gostamos de chamar) desce dos céus e torna o dia insuportável. Mentalmente talvez, depende dos espíritos presentes (ausentes?)
Gosto de ti calor. Gosto de me sentir quente, combatendo a frieza que apresento todos os dias. Derreto. Sou eu, mais eu.
Sou o calor.
Nem mais...
"Eu que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.
Sentado à mesa de um café devasso,
Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorrestes um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, sudável.
«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.
Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
...
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar o teu peito.
Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.
«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
Ao pé de um numeroso ajuntamento,
E eu, que urdia estes frágeis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Um pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.
E foi, então que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril."
Cesário Verde
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