sábado, março 12, 2005

11 de Março, um ano depois

Fez hoje um ano estava em Paris, também uma grande capital europeia e com um sistema de transportes semelhantes. No passado também a França, e nomeadamente Paris, foram alvos de atentados ou tentativas de atentados terroristas. Nada, na Europa, foi semelhante ao que se passou à um ano.
Escrevo estas linhas após ter visto um documentário sobre este acto absurdo. Na altura não tinha televisão e só soube o que ouvi na rádio Alfa (estava a acordar para ir para a escola quando ouvi as noticias das 7:30), o que li e vi nos jornais (Libération, Le Monde, Le Figaro, 20 Minutes, Métro) no próprio dia e dias seguintes, e fiquei chocado com algumas coisas: primeiro com o facto de o governo Espanhol comunicar logo, sem qualquer reserva, que se tratava de um atentado da ETA, quando eu, um simples estudante português, sabia que aquele não é o modus operandi dessa organização terrorista; que as pessoas na grande cidade continuam a sua vida, apesar de um pouco mais alerta e mais assustadas, e que lhes causa transtorno o plano Vigiprate - plano vermelho - de defesa civil contra ameaças terroristas (género os comboios e metros param certo tempo nas estações, são vigiados por seguranças, podem haver rusgas, objectos e malas abandonadas significam a evacuação da estação...); que os árabes - em grande número em Paris - se começam a sentir desconfortáveis com os olhares, com algum sentimento de culpa, naquela que também já é a sua cidade e país.
Ao inicio pensei que a minha primeira escolha para Erasmus tinha sido Madrid, e que se lá estivesse e com a confusão dos atentados, com as linhas de contacto bloqueadas e tudo isso, seria um sufoco para os meus familiares; porém apercebi-me que aquele não seria o meu horário porque não viveria na periferia... pelo menos teoricamente. Se tivesse sido em Paris a probabilidade de ser atingido também seria infima porque na viagem para a escola somente andava uma estação no RER (o equivalente aos comboios atingidos em Madrid) e o resto de métro, mas não passava em nenhuma estação mais central, género Gare du Nord, Gare de St Lazare, Gare de L'Est, Notre Dame, Châtelet - Les Halles... mas quem não está habituado penso que seja normal pensar em algo semelhante, e nos familiares preocupados.
Depois tive oportunidade de viver na Cité Universitaire de Paris que acolhe um sem número de árabes estudantes universitários, tem as residências do Líbano, do Irão, e vivia num corredor da residência des Arts et Métiers com dois marroquinos e um camaronês extremamente simpáticos, amigos e prestáveis, bem humorados, que não bebiam alcool, que adoravam uma boa farra e mulheres... em tudo semelhante a nós! Somente em alturas de oração se recolhiam discretamente; em alturas de ramadão cumpriam os preceitos sem qualquer lamúria e com o habitual sorriso nos lábios. Tive oportunidade de assistir, nas festas da Cité Universitaire, a uma festa Síria, desde sexta a domingo, com cachimbos de água (e de outras substâncias...), cerveja, muita animação e música (typical portuguese song... quem sabe percebe o que estou a falar) mulheres lindas de várias nacionalidades mas na maioria árabes a divertirem-se, a dançar, a beber, sem véus ou limites à liberdade.
Passeei por bairros árabes onde a marca característica eram as frutarias, com belas frutas expostas para a rua, de uma limpeza assinalável e com brio da parte dos funcionários de as manter assim, lindas e prontas a consumir; talhos com carnes que, de aspecto, tinham a melhor qualidade... a unica coisa mais depreciativa, se é que posso chamar isso, que vi nesses locais era o aspecto das pessoas: o árabe é "chavequeiro": adora meter-se com meninas bonitas e em certas situações têm um aspecto de facil conotação com o que conhecemos como chulo ou cigano, no seu pior. Mas nunca em qualquer situação me senti mal olhado, mal tratado, visto com atitude depreciativa, racista ou coisa que o valha.
E pensar que foram pessoas do mesmo credo deles, mas não como elas, que foram capazes de, indiscriminadamente e sem razão aparente, matar centenas de pessoas "em nome de Alá". É uma barbaridade ouvir algo desse género em pleno século XXI numa sociedade globalizada, ouvir um gajo de barbas a usar as tecnologias mais modernas disponiveis para enviar mensagens video de uma gruta algures no Afeganistão para todo o mundo, a dizer que estes ataques são um preço a pagar pelo mundo ocidental e pagão, por não cumprirem as leis do sagrado profeta, e que é o principio de uma revolta da conquista da humanidade pelas leis do sagrado Corão, pelo uso da Sharia, e outros disparates. Dá vontade de usar a forma de luta que eles usam, "olho por olho, dente por dente", mas felizmente alguns países são mais civilizados.
Mas ficam-me no olhar e na cabeça a forma como alguma vergonha se apoderou de alguns cidadãos árabes que não tiveram nada a ver com o assunto mas que se sentiram enojados e despojados por usarem em vão algo em que eles acreditam fortemente, e como dessa forma vulgarizaram um credo, uma população religiosa, e fizeram alastrar o ódio por alguém que não tem culpa. Fica-me também na cabeça um problema pior: como países como os EUA instituem actos contra a liberdade, como o "Patriotic Act" em países democratas e supostamente onde se respeitam direitos e deveres dos cidadãos, só por causa de um acto terrorista. Lamento dizê-lo, mas nesse aspecto os terroristas ganharam um ponto...

À MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DA ESTAÇÃO DE ATOCHA...


Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

Sem comentários: