segunda-feira, março 14, 2005


Boulevard Periphérique, junto à Porte Dorée
Não é hábito fumar, mas compro duas cigarrilhas. Sabor a café, só para variar. Para experimentar um bom sabor de café, já que o daqui nem com dois pacotes de açucar presta! Comprei aliás, porque agora olho para elas como que a decidir-me se as fumo ou não, se as guardo para outra ocasião mais ou menos favorável, ou se nem sequer lhes dou uso.
Isqueiro numa mão, a cigarrilha na outra. Saio do quarto em pézinhos de lã, como se estivesse a escapulir-me e a cometer um pecado. Pecadilho... como a educação que temos influi na forma como agimos no dia a dia - esconder de quê, de quem, para quê, para quem? - estou sozinho, ninguém me repreende ou castiga ou impede de tomar o rumo que eu quiser e bem entender.
Agora percebo o porquê do cliché de Hollywood de, a seguir a uma cena de sexo, os intervinientes fumarem o seu cigarro: primeiro porque atingiram algo, um objectivo, e estão na descontracção desse objectivo atingido - sexo, no caso; depois como que a mostrar o licencioso da coisa, cometem o segundo crime que é queimarem os pulmões aos poucos... mensagem de pecado e morte evidente, ou então não tenho mais em que pensar...
Chego à rua, aperto o casaco, mas mantenho o que me trouxe cá fora no bolso. Não te quero, não te fumo! Respiro bem fundo e encho os pulmões de ar bem fresco, tanto que quase doi ao passar no nariz e entrar nos pulmões.
Sento-me na passagem aérea para peões por cima da Periphérique e olho o espaço que durante grande parte do dia é preenchido por milhares de veículos e milhões de pessoas que se fazem circular, que provocam o tráfego e o caos das grandes cidades. Vazia, passa de vez em um ou outro carro, o autocarro da Air France para o aeroporto. Tiro a mão esquerda do bolso quente com o objectivo de ver as horas e vejo a culpada a olhar para mim. Três da manhã... ok, ganhaste, foi mesmo para isso que saí, vou tirar o prazer devido deste hábito proibido!
Acendo, puxo uma baforada de fumo, sinto o calor do fumo a percorrer o caminho para dentro, o caminho para fora, o ar frio a entrar e a sair. Não será o fruto proibido o mais apetecido?
Sorvo devagar cada trago de fumo sabor a café; inspiro lentamente, expiro lentamente. Sinto uma ligeira tontura de quem não está habituado, mas que se torna inebriante, qual droga leve, qual prazer puro, qual sexo no ultimo píncaro do desejo, dos arrepios de dois corpos que se desejam tanto ao ponto de sentir calafrios do toque comum, que se devoram lentamente consumindo na calma o que o corpo quer absorver no instante.
Tontura, leve, boa. Termino a ponta e deito-a fora, apagando a incandescência contra o muro. Atingi o climax do momento, explodi, gozei. Fecho os olhos, gozo o momento. Doce, o travo tropical do café no quente dos lábios...
Doce...


Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

Sem comentários: