quinta-feira, dezembro 23, 2004

Ponto de ordem, ou avaliação do ano que está a terminar

Acaba por ser "cliché" usar palavras de outrem, principalmente letras de musicas, para acrescentar palavras ao blog. Porém acho que o último álbum do Jorge Palma tem obras primas da escrita e que passam pelo dia a dia de todos em qualquer momento. Isto para dizer que, após esta reflexão, vou colocar a letra de mais uma musica do álbum "Norte", de Jorge Palma.
Agora dou lugar à reflexão pessoal do ano que passou. Como ultimamente tenho tido algumas visitas mas ausência de comentários, vou egoisticamente ocupar o espaço que for necessário para este post, pelo que muita gente vai ver o tamanho e nem sequer ler (para isso envio por e-mail para algumas pessoas, hehehehe!).
Posso dizer, com certeza absoluta, que sou uma pessoa com receio de arriscar; porém quando arrisco passo do 8 ao 80, coisa que a minha psicóloga já me tinha dito mas que eu não via. Comecei a ver. Alguns esclarecimentos: sou prefeccionista e muito exigente, porém um pouco preguiçoso; tenho muito receio de não agradar e de falhar os meus objectivos; e mais que isso, que me apontem esses erros e me critiquem destrutivamente (algo que me deixa bem transtornado e perdido)... mas também não lido muito bem com os elogios, fico envergonhado. Estranho, não?
Em 2004 fui 4 meses para Paris, fazer Erasmus. Estive de Março ao fim de Junho sozinho, sem qualquer companhia portuguesa. Durante quase dois meses, no inicio, só falava português ao telefone com os meus pais e com a namorada, a Sandra; isto até ela lá ir. Tive dificuldades em comunicar pois o meu francês era primário, as pessoas não são tão acolhedoras e quentes como os portugueses, senti saudades da familia, de casa, dos amigos. Em 4 meses aprendi a cozinhar, a desenvencilhar-me mesmo pouco falando da lingua, a trabalhar ao mais alto nivel, a fazer amigos de várias nacionalidades, a ter algum rigor e disciplina... consegui!
Durante esse tempo também senti muitas saudades de todos os amigos, familia, namorada, dos confortos do lar, dos carinhos de todos. Chorei de perda, de saudades, de dor, de ideia de fracasso; chorei de solidão e senti alivio por estar sozinho. Também muito ri, sorri e aprendi. Vi e conheci coisas maravilhosas, descobri maravilhas de uma cidade maravilhosa como Paris, descobri pessoas excepcionais, cheias de vida, amorosas, corajosas, lindas, apaixonantes. Descobri um sistema de transportes excepcional, ouvi uma rádio portuguesa que é da melhor qualidade e que transporta a cultura portuguesa para todos, no melhor e no pior. Vivi como nunca os sucessos do F.C. Porto, ouvi apaixonadamente os jogos do Benfica na Europa (que todos sabem o meu sentimento por esse clube), entristeci-me pela derrota da selecção no jogo inaugural do Europeu e exultei de alegria e festejei quando ganhamos. Vivi anos em 4 meses e voltei mais forte, com mais conhecimento de mim, mais determinado e com a certeza que ainda teria muito, mas muito a aprender.
Voltei para junto da namorada, familia e amigos que adoro e que me adoram, senti o seu carinho e falta, demonstrado das mais diversificadas formas. Procurei um trabalho para sustentar os meus (longos e caros) estudos universitários, para poder aliviar a carga dos meus pais que começam a entrar na idade em que têm que aproveitar as coisas boas da vida e auxiliar o caçulinha, que também merece (ajuda que ele sempre teve, mas acho que nunca é demais!).
Por um pormenor quase que uma relação estável de 6 anos de namoro terminou, e só não aconteceu porque somos ambos teimosos e ambos apaixonados; aqui me voltei a sentir só apesar de tudo e todos estarem à minha volta, o que ainda foi mais doloroso; senti e sinto a pressão, auto-imposta, das preocupações legitimas de quem tem carinho por mim. Aqui voltei a conhecer pessoas muito especiais, inteligentes, bonitas e interessantes, óptimas companhias e que são tudo de bom - ok que terão defeitos, mas o que interessa são as muitas qualidades, e são essas que devemos tentar salientar: uma questão de estimulo, de ego.
E neste momento de reflexão, em que um ano foi terrivelmente resumido e esquartejado, posso dizer com prazer e alegria que as lágrimas que estão prestes a transbordar dos meus olhos são de alegria, felicidade e um pouco de salutar preocupação - que medos e temores antigos estejam somente escondidos e não ultrapassados. Por isso a escolha desta canção do Jorge Palma, que aconselho vivamente.
A todos (que me lêem, que partilham alegrias e tristezas, sentimentos, emoções, culpa, prazer, amor, carinho, respeito, que me inspiram, que são musas no devido tempo e espaço...) agradeço do fundo do coração, e desejo umas boas festas (sim, é o sentimento mais arreligioso, se é que existe esta palavra!).
A letra:

Passeio dos prodígios (letra e música: Jorge Palma)

Vamos lá contar as armas
tu e eu, de braço dado
nesta estrada meio deserta
não sabemos quanto tempo as tréguas vão durar...

há vitórias e derrotas
apontadas em silêncio

no diário imaginário
onde empilhamos as razões para lutar!

Repreendo os meus fantasmas
ao virar de cada esquina

por espantarem a inocência
quantas vezes te odiei com medo de te amar...

vejo o fundo da garrafa
acendo mais outro cigarro
tudo serve de cinzeiro
quando os deuses brincam é para magoar!

Vamos enganar o tempo
saltar para o primeiro combóio
que arrancar da mais próxima estação!
Para quê fazer projectos
quando sai tudo ao contrário?
Pode ser que, por milagre,
troquemos as voltas aos deuses

Entre o caos e o conflito
a vontade e a desordem
não podemos ver ao longe
e corremos sempre o risco de ir longe demais

somos meros transeuntes
no passeio dos prodígios
somos só sobreviventes
com carimbos falsos nas credenciais

Vamos enganar o tempo... (refrão)

Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

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