quinta-feira, janeiro 12, 2006

      INTERVALO

    Quem te disse ao ouvido esse segredo
    Que raras deusas têm escutado -
    Aquele amor cheio de crença e medo
    Que é verdadeiro só se é segredado?...
    Quem te disse tão cedo?

    Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
    Não foi um outro, porque não sabia.
    Mas quem roçou da testa teu cabelo
    E te disse ao ouvido o que sentia?
    Seria alguém, seria?

    Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
    Foi só qualquer ciúme meu de ti
    Que o supôs dito, porque o não direi,
    Que o supôs feito, porque o só fingi
    Em sonhos que nem sei?

    Seja o que for, quem foi que levemente,
    A teu ouvido vagamente atento,
    Te falou desse amor em mim presente
    Mas que não passa do meu pensamento
    Que anseia e que não sente?

    Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
    A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
    A frase eterna, imerecida e louca -
    A que as deusas esperam da ledice
    Com que o Olimpo se apouca.

    Fernando Pessoa


Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

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