segunda-feira, agosto 22, 2005


Tristeza...

Ardem-me os olhos, estou com cinza agarrada ao corpo, entranhada pelos litros de água que foram empurrados pelo vento, quando saíam da mangueira, para tentar combater uma guerra desigual contra o poder do fogo.

O inferno vive aqui, na nossa porta. Não precisa ser um ano de seca, basta ser verão em qualquer ano que milhares, centenas de milhar de hectares de floresta são varridos do mapa nacional.
Hoje foi um drama: Coimbra, uma das maiores cidades do país, viu-se cercada por um incêndio que começou a uns 50Km de distância. De noite, sem meios aéreos, com os bombeiros ocupados por todo o país a combater outros tantos e graves fogos... pela calada, cobarde, filha da puta, sem qualquer respeito pelo maior bem que possuímos: a mãe natureza.
Desde Góis que viemos a acompanhar o progresso morbido, com um desvio por Penacova porque a Estrada da Beira estava cortada ao trânsito. Pelo caminho o acumular de pessoas a observarem atentamente o que dá audiências: o directo do fogo, as labaredas - afinal na realidade tem muito mais interesse que na televisão - e é isto que vende em Portugal, meus amigos. Abranda, pára, não faz pisca, ainda buzina porque lhe fizeram sinais de luz para avançar... é este o espírito de quem vê em directo um reality show, como quem vai à bola e compra pevides e tremoços.
Tirei estas fotos cerca de uma hora antes de começar os preparativos para uma longa noite. Aqui o fogo ainda estaria longe de Vale de Canas - Mata Nacional Protegida - na encosta por trás.
Galgou montes, vizinhanças e sabe-se lá mais o quê, com a força do vento quais cruzados a lutar contra mouros, e os mouros aqui fomos nós.
Resultado: parece que toda uma mancha verde à volta de Coimbra ficou barbaramente arrasada, desde Poiares, Vale de Canas, Pinhal de Marrocos, Tovim e encostas adjacentes; parece que se deslocou para sul e já estava em Santa Clara, margem esquerda do Mondego. Aqui na rua, felizmente, só ardeu um carro e lutámos desamparados sem bombeiros - não por culpa deles, um bombeiro de Brasfemes ficou a orientar-nos com uma catana, boa vontade e... a tentativa de usar uma boca de incêndio para a qual não tinha chave e que não havia mangueiras para ela...
Neste momento estou triste, desiludido, magoado, como se tivesse sido eu a arder e a crepitar junto com aquelas árvores. Na rua ainda há uns combatentes, quais médicos de urgência, que tentam a baldes apagar as ultimas brasas - que já não trarão qualquer mal - com medo de voltarem a ter um pesadelo. Pesadelo que começa a tornar-se dolorosamente sazonal, de periodos de 7 a 10 anos.
Quem sou eu e o que é a minha tristeza comparado com o manto cinzento morte, com o estrépito incomum do esgalhar e rebentar das arvores a arder, aquele gemido incaracteristico que doi profundamente na alma.
Algo em mim morreu hoje, fundo na alma, no corpo, no desejo de poder fazer muito mais e não ter como - a lampada de Aladino seria uma boa opção nesta altura...
P.S.: Vejo as florestas como um bem ecológico necessário e fundamental para o equilibrio e bem estar de toda a evolução do planeta, mas também como matéria prima para produção de energia. Se em vez de haver todos estes milhões de hectares de floresta houvessem poços de petróleo a arder, seria isso considerado terrorismo?... just a thought...


Paulo Aroso Campos - paulo.aroso@zmail.pt

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